Trombone: Blog de Crítica de Arte em Porto Alegre

A verdade sobre o caso Harry Quebert | 6 de julho de 2014

 

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Alguns professores e críticos não se interessam por best sellers, ao considerarem esses livros demasiado concessivos no jogo de representar as questões mais interessantes da experiência e elaborar, concomitantemente, uma forma estética autônoma e interessante. Diferentemente, sempre me interessou entender como um livro é capaz de vender cem mil exemplares e outro é incapaz de vender mil. Como um livro encontra o ponto médio do horizonte de leitura do seu tempo? Essa me parece uma questão interessantíssima! Indústria do livro à parte, se é que seja possível apartá-la, estou convencido de que nem todo marketing do mundo faria Grande sertão: veredas – meu livro preferido de todos os tempos – vender centenas de milhares de exemplares se lançado hoje. Também não acho que seja fácil escrever um best seller, mesmo que digam haver uma fórmula para isso. Se assim o fosse, todos os escritores o fariam para lograr de alguma tranquilidade financeira em seu ofício. Que mistérios guarda uma literatura acessível?

Com essa inquietação, encarei as quase seiscentas páginas de A verdade sobre o caso Harry Quebert, livro aclamado do suíço Joël Dicker, um dos convidados da FLIP deste ano. Como esperado, não me impressionei com a capacidade do romancista em construir personagens – muitos deles se parecem e, em alguns trechos, até mesmo ecoam frases e pensamentos uns dos outros – e nem me convenci com a linha geral do enredo – as muitas guinadas nas últimas cem páginas do livro estremecem um pouco seu poder de verdade -. mas é notável a maneira como o ritmo da história é mantido e, com ele, o autor consegue manter a atenção do leitor e a vontade de seguir descobrindo o que irá acontecer.

Também é preciso realçar a maneira como a estrutura do livro consegue manter um equilíbrio formal bastante sofisticado. Sem antecipar o fim (e a pergunta da promoção), o livro apresenta em primeiro plano um jovem escritor, Marcus Goldman, em busca de uma história para seu novo livro. Em segundo plano, seu mentor no mundo literário, Harry Quebert, se vê envolvido no homicídio de uma garota de quinze anos acontecido três décadas antes. Completam a forma, a suposta obra-prima lançada pelo mentor, As origens do mal, o livro que está sendo escrito por Marcus – que é e não é o livro que o leitor tem em mãos -, além de alguns excertos de ensinamentos de Quebert ao jovem escritor. Todas essas estruturas correm em paralelo, enquanto acompanhamos o desdobramento da investigação e da escritura, em forma bastante cuidadosa.

Por fim, ainda empolga a maneira como o autor desvela algumas dinâmicas nefastas das altas esferas do mundo editorial, desde a pressão do editor para que o livro seja escrito o mais rápido possível até uma estratégia de marketing que passa pela polêmica e pelo sensacionalismo. Como também decepciona a utilização de uma linguagem muitas vezes trivial e imprecisa, como se bastasse uma apreensão aproximada do real. E talvez baste…

Acho que deu pra perceber que não consegui descobrir as origens da boa literatura pop. A sensação geral foi de bastante divertimento, embora algumas vezes eu tenha me aborrecida com uma ou outra fragilidade formal e, noutras, tenha sido convocado pelas leituras mais exigentes do meu trabalho. Mas vale notar que, durante as últimas semanas, enquanto descansava, nas últimas horas do dia, vinha uma voz cá de dentro a me dizer com doçura: “vamos lá, por alguns páginas, ver quem matou a menina?”

PERGUNTA DA PROMOÇÃO (a melhor resposta até sexta-feira, 11/07, ganhará um exemplar, a ser enviado pela Editora Intrínseca): Marcus Goldman, o principal narrador do livro, inicia sua história com um tremendo branco para conseguir escrever; de jeito nenhum ele consegue começar o romance, já previsto em contrato com sua editora. Para tentar resolver o branco, ele viaja para a casa do antigo mentor, Herry Quebert e o enredo principia. A pergunta é: do que você seria capaz para resolver um branco na hora de escrever?

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1 Comentário »

  1. Eu tentaria imaginar uma ótima razão para eu não poder continuar escrevendo aquele texto, e convencer-me-ia de que é porque vivo sob um governo tirânico que sem dúvida censuraria aquele trecho, e que o meu pior crítico iria odiá-lo sobremaneira. Em seguida, tomado de ira, saio aos becos tomar parte em um movimento guerrilheiro, instalo uma bomba-relógio na embaixada, e contrato um assassino profissional para o crítico. Quando volto, percebendo o meu erro, forço-me a escrever rapidamente um texto esplêndido, a tempo de ligar para o assassino, impedir a morte do crítico, e desfazer a detonação da bomba. Funciona que é uma beleza!

    Comentário por Gustavo Luiz E. — 9 de julho de 2014 @ 12:35


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    Biografia

    Poeta dos livros "entrechos ou valas do silêncio" (2013), "zero um" (2010), "poemas lançados fora" (2007), "sintaxe da última hora" (2006) e "reflexos" (2000). Premiado em diversos concursos literários e presente em algumas coletâneas de poesia. Cantor e compositor premiado em festivais de canção popular e gravado por alguns artistas e bandas. Co-roteirista dos filmes de curta-metragem "Bons sonhos, Maria"(2006), "Revés" (2008) e "Estado Senil" (2009). Argumentista da personagem Júlio César, publicado pela primeira vez em setembro de 2009, mas ainda aguardando uma edição própria e de maior fôlego. Contista, dramaturgo e romancista ainda inédito. Linguista pela Unicamp. Especialista, mestre e doutor em Literatura Brasileira pela UFRGS. Professor adjunto de Literatura Brasileira na UFRGS.

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